Pacto Ecológico: Estratégia para os produtos químicos rumo a um ambiente sem substâncias tóxicas

    15 Outubro, 2020 José Ricardo Sousa 1241 Sem comentários

    Porque devem os produtos químicos ser sustentáveis?

    Os produtos químicos são omnipresentes na nossa vida quotidiana. Fazem parte de quase todos os dispositivos que utilizamos para garantir o nosso bem-estar e proteger a nossa saúde. São elementos constituintes das tecnologias hipocarbónicas e de poluição zero, assim como das tecnologias, dos materiais e dos produtos eficientes em termos energéticos e de recursos de que necessitamos para tornar a sociedade e a economia mais sustentáveis. No entanto, os produtos químicos podem ter propriedades perigosas, prejudiciais para a saúde humana e o ambiente. Podem causar cancro, afetar os sistemas imunitário, respiratório, endócrino, reprodutivo e/ou cardiovascular, enfraquecer a resistência humana e a capacidade de resposta às vacinas, bem como aumentar a vulnerabilidade às doenças.

    Os consumidores estão muito expostos aos produtos químicos presentes nos bens de consumo, desde os brinquedos e artigos de puericultura aos materiais em contacto com os alimentos, aos cosméticos, ao mobiliário e aos têxteis, para citar apenas alguns. Os trabalhadores da UE entram diariamente em contacto com agentes químicos que lhes podem ser prejudiciais. Além disso, a poluição química é um dos principais fatores que colocam a Terra em risco, afetando e amplificando as crises à escala planetária, como as alterações climáticas, a degradação dos ecossistemas e a perda de biodiversidade. Os produtos químicos, os materiais e os produtos devem, por conseguinte, tornar-se intrinsecamente seguros e sustentáveis, desde a produção até ao fim da vida útil, evitando-se as propriedades mais prejudiciais e gerando o menor impacto possível no clima, na utilização dos recursos, nos ecossistemas e na biodiversidade.

    O que é um ambiente sem substâncias tóxicas e como será alcançado?
    A estratégia para os produtos químicos estabelece as medidas a tomar para alcançar um ambiente sem substâncias tóxicas e assegurar que os produtos químicos são produzidos e utilizados de forma a maximizar o seu contributo para a sociedade, evitando danos para o planeta e para as gerações atuais e futuras. Prevê que se evite recorrer a produtos químicos particularmente nocivos em utilizações societais não essenciais e que todos os produtos químicos industriais sejam utilizados de forma mais segura e sustentável. Paralelamente, importa promover cada vez mais a transição ecológica do setor químico e da sua cadeia de valor. A estratégia para um ambiente sem substâncias tóxicas faz parte da ambição da Comissão de poluição zero do ar, da água e do solo, que será apresentada em 2021 no âmbito do Pacto Ecológico.

    Com o REACH (Regulamento relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição dos produtos químicos), a UE já tem a legislação mais rigorosa do mundo nesta matéria. Que mais é necessário e de que forma a indústria se pode adaptar? Quais são as consequências da estratégia para o REACH?

    O atual quadro jurídico da UE no domínio dos produtos químicos, nomeadamente o Regulamento REACH e o Regulamento Classificação, Rotulagem e Embalagem (CRE), constitui a legislação mais rigorosa nesta matéria, afetando as indústrias de todo o mundo. A estratégia para os produtos químicos sugere que a legislação deve ser reforçada através de revisões específicas de ambos os regulamentos, a fim de assegurar a existência de informações suficientes sobre os produtos químicos fabricados ou importados para a UE, para que as substâncias que suscitam preocupação sejam rapidamente identificadas e, se necessário, progressivamente eliminadas, em especial dos bens de consumo. Qualquer proposta legislativa seguirá as orientações Legislar Melhor da Comissão, devendo incluir uma avaliação de impacto e um processo de consulta com as partes interessadas.

    De que forma a estratégia irá apoiar a inovação e a competitividade?

    A utilização de produtos químicos traz inúmeros benefícios para a sociedade. Aumentar a segurança e a sustentabilidade é uma grande oportunidade económica. A UE conta já alguns pioneiros na matéria, nomeadamente PME, mas muitos ainda se defrontam com obstáculos económicos e técnicos. A estratégia define um conjunto de medidas regulamentares e não regulamentares para aumentar e impulsionar as inovações industriais e a produção. Os critérios aplicáveis aos «produtos químicos de conceção segura e sustentável» serão definidos e utilizados para os investimentos públicos e privados. A estratégia descreve incentivos para apoiar a investigação, o desenvolvimento e a aceitação pelo mercado de novos produtos químicos, assim como a transição ecológica global dos processos de produção nas indústrias que produzem e utilizam produtos químicos. A competitividade da indústria da UE será apoiada por alterações regulamentares da legislação sobre produtos químicos, a fim de assegurar condições de concorrência equitativas entre a UE e a indústria de países terceiros.

    Como prevê a estratégia melhorar a aplicação coerciva da legislação no domínio dos produtos químicos?

    É necessário reforçar a aplicação e o controlo do cumprimento da legislação europeia no domínio dos produtos químicos, a fim de assegurar a conformidade em todo o ciclo de vida dos produtos químicos: produção, colocação no mercado, libertação e eliminação. Atualmente, quase 30% dos alertas sobre a presença de produtos perigosos no mercado dizem respeito a riscos colocados por produtos químicos. Além disso, apenas um terço dos dossiês de registo das substâncias químicas registadas pela indústria ao abrigo do REACH cumpre integralmente os requisitos de informação. A estratégia propõe uma série de medidas para assegurar um melhor controlo por parte das autoridades – focalizado, em especial, nos artigos importados e nas vendas em linha –, nomeadamente por recurso a ferramentas digitais. A Comissão efetuará auditorias sobre os sistemas de aplicação coerciva dos Estados-Membros e apresentará propostas para reforçar os princípios de «ausência de dados, ausência de mercado» e «poluidor-pagador».

    É possível dar exemplos de produtos químicos tóxicos no ambiente? Como evitar o aumento da poluição química no futuro?

    Até à data, a poluição química deveu-se a substâncias persistentes e com efeitos nocivos na saúde humana e/ou no ambiente, como os bifenilos policlorados (PCB), as dioxinas, alguns pesticidas (por exemplo, o DDT) e, mais recentemente, as substâncias perfluoroalquiladas e polifluoroalquiladas (PFAS). Quando um produto químico persistente entra no ambiente, os seus efeitos manifestam-se por um período muito longo, mesmo na ausência de novas emissões. A estratégia visa triar os produtos químicos com base na sua persistência e agir rapidamente, regulamentando os produtos que têm outras propriedades preocupantes, como a mobilidade no ambiente, a bioacumulação e a toxicidade. Essas substâncias só devem ser autorizadas em utilizações essenciais para a sociedade, se não existirem alternativas.

    Quais são as substâncias que suscitam preocupação?

    As substâncias que suscitam preocupação são um grupo de substâncias perigosas particularmente nocivas para a saúde humana ou para o ambiente, dado afetarem a vida. No contexto da estratégia para os produtos químicos, a lista não exaustiva de substâncias que suscitam preocupação inclui as substâncias identificadas como muito preocupantes no âmbito do REACH, bem como as substâncias enumeradas no Regulamento Classificação, Rotulagem e Embalagem como tendo efeitos crónicos na saúde e no ambiente.

    Para evitar efeitos negativos a longo prazo, a exposição dos seres humanos e do ambiente a estas substâncias deve ser minimizada e substituída tanto quanto possível. Em especial, deve proibir-se a presença de produtos particularmente nocivos nos bens de consumo, só podendo ser utilizados para utilizações societais essenciais comprovadas, caso não exista uma alternativa aceitável.

    O desenvolvimento de produtos químicos seguros e sustentáveis, e a minimização destas substâncias nos produtos e resíduos, são fundamentais para alcançar uma economia circular limpa.

    O que se entende por conceção segura e sustentável? O que são os ciclos de materiais não tóxicos?

    Por conceção segura e sustentável entende-se que os produtos químicos, os materiais e os processos devem evitar, desde a fase de conceção, o recurso a quantidades de substâncias que possam ser prejudiciais para a saúde humana ou para o ambiente, em qualquer fase da sua existência. Trata-se, nomeadamente, de grupos de produtos químicos suscetíveis de serem tóxicos, ecotóxicos, persistentes, bioacumuláveis ou móveis.

    Os materiais e os produtos que forem seguros ao longo do seu ciclo de vida, desde a produção até à eliminação e reciclagem, produzem ciclos de materiais não tóxicos. A sua obtenção, e a transição para uma economia circular limpa, implicam que a presença em materiais virgens e reciclados de substâncias que suscitam preocupação deve ser limitada, e que os resíduos poluídos são triados e descontaminados.

    A sustentabilidade deve ser garantida mediante a minimização da pegada ambiental dos produtos químicos, em especial no que respeita às alterações climáticas, à utilização dos recursos, aos ecossistemas e à biodiversidade, numa perspetiva de ciclo de vida. A estratégia propõe definir critérios para um conceito global, em conjunto com as partes interessadas.

    Existe um elo entre os produtos químicos presentes no nosso ambiente e a pandemia de COVID-19?

    A exposição das pessoas a produtos químicos perigosos enfraquece a resistência e aumenta a vulnerabilidade, nomeadamente às doenças transmissíveis. Os produtos químicos podem afetar o funcionamento do corpo humano de diferentes formas. Os produtos químicos que afetam os sistemas imunitário e respiratório revestem-se de especial importância no contexto da pandemia de COVID-19.

    O que são perturbadores endócrinos e em que produtos ocorrem?

    Os perturbadores endócrinos são substâncias químicas que alteram o funcionamento do sistema endócrino (hormonal) e, por isso, têm efeitos negativos na saúde dos seres humanos e dos animais, de diferentes formas – por exemplo, podem afetar negativamente a saúde reprodutiva ou ter um papel no desenvolvimento de cancros de origem hormonal. Algumas destas substâncias podem ser encontradas em produtos de uso quotidiano como cosméticos, brinquedos e embalagens de alimentos. Em consonância com a Comunicação da Comissão, de 2018, intitulada «Rumo a um quadro abrangente da União Europeia em matéria de desreguladores endócrinos», a Comissão e os Estados-Membros estão a trabalhar para incluir a identificação dos desreguladores endócrinos no âmbito do Regulamento Classificação, Rotulagem e Embalagem dos Produtos Químicos (CRE) e, numa segunda fase, no sistema mundial (Sistema Mundial Harmonizado da ONU).

    Paralelamente, estamos também a trabalhar na alteração dos anexos REACH, para permitir identificar substâncias como desreguladores endócrinos.

    O que se entende por efeitos combinados de produtos químicos?

    Ao longo da vida, estamos expostos a uma grande diversidade de produtos químicos presentes nos alimentos, na água, nos medicamentos, no ar que respiramos e em vários produtos. Em geral, o risco decorrente da exposição a uma combinação de produtos químicos é superior ao risco decorrente da exposição a cada um dos produtos químicos isoladamente. Por conseguinte, a exposição a uma combinação de produtos químicos pode ter efeitos nocivos para a saúde e o ambiente, mesmo que os níveis de exposição sejam considerados «seguros» para cada produto químico isoladamente.

    Devido ao grande número de combinações possíveis de produtos químicos, a avaliação dos riscos e a gestão dos efeitos dessas combinações representam um desafio científico e regulamentar específico.

    O que é o princípio «uma avaliação por substância» e como será implementado?

    O princípio «uma avaliação por substância» visa simplificar, racionalizar e coordenar melhor os processos subjacentes às avaliações de perigos e riscos dos produtos químicos, tais como o início das avaliações, a atribuição de responsabilidades para a avaliação, a aplicação de metodologias, a utilização dos dados e a aplicação das regras de transparência. O objetivo consiste em melhorar a coerência e a qualidade das avaliações na legislação, utilizar de forma mais eficaz os conhecimentos especializados e os recursos, reduzir os encargos para as partes interessadas e aumentar a confiança na base científica das avaliações. Visa também acelerar e tornar mais previsível a tomada de decisões.

    Para mais informações

    Comunicado de imprensa — Estratégia para os produtos químicos num contexto de sustentabilidade

    Ficha informativa — Estratégia para os produtos químicos num contexto de sustentabilidade

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