Discurso da Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no dia 13 de maio, no Plenário do Parlamento Europeu, em Bruxelas
Nos 70 anos que se seguiram à Declaração Schuman, a Europa não pôde evitar conhecer crises e desafios. Em muitos aspetos, a divisa da União Europeia não tem sido só «Unidos na diversidade», mas também «Unidos na adversidade». No período de adversidade que atravessamos, e em resposta à presente crise, a Europa necessita, mais do que nunca, de unidade, determinação e ambição.
É com este espírito que a Comissão está a trabalhar num ambicioso plano de recuperação para a Europa, conforme solicitado na resolução hoje apresentada.
Senhoras e Senhores Deputados,
Todos sabemos por que razão é necessário agir. Ao longo das últimas semanas, ouviram-me frequentemente enunciar o que a Europa deve fazer. Gostaria hoje de vos falar de como o deve fazer.
Gostaria de vos apresentar a arquitetura e as principais características do ambicioso plano de recuperação para a Europa em que estamos a trabalhar. Mas, para tal, devemos antes compreender devidamente a anatomia desta crise tão peculiar.
No passado, conhecemos períodos de abrandamento económico, mas nunca tivemos uma paragem económica como a verificada nos últimos três meses. As nossas economias estão suspensas. As cadeias de abastecimento foram perturbadas e a procura entrou em colapso. E a verdade é que não voltaremos à normalidade anterior a curto prazo.
As nossas economias e sociedades terão de abrir lentamente e de forma cautelosa e gradual. Enquanto as escolas se mantiverem fechadas, a maioria dos pais terá de continuar a trabalhar a partir de casa. E, enquanto as medidas de afastamento social se mantiverem necessariamente em vigor, as empresas terão de repensar os seus locais de trabalho e a sua forma de trabalhar.
Por outras palavras: vamos recuperar, mas só dentro de algum tempo.
Segundo ponto:
O vírus é o mesmo em todos os Estados-Membros, mas a capacidade de reagir e absorver o choque é muito diferente. Por exemplo, os países e regiões com economias baseadas nos serviços prestados diretamente aos clientes —como o turismo ou a cultura — foram muito mais afetados.
Também não devemos esquecer que Estados-Membros atingidos pelo vírus em primeiro lugar, foram geralmente os mais duramente atingidos. Por ser uma experiência dolorosa e dada a total transparência da Itália e da Espanha, a forma como lidaram com a pandemia ajudou outros Estados-Membros a prepararem-se para o impacto.
Terceiro ponto:
Todos os Estados-Membros apoiaram o melhor possível os trabalhadores e as empresas — em grande parte graças ao facto de a resposta ao nível europeu ter sido rápida e enérgica: ativámos a cláusula de derrogação de âmbito geral e permitimos uma plena flexibilidade relativamente às regras da UE em matéria de fundos e de auxílios estatais. No entanto: é igualmente verdade que cada Estado-Membro dispõe de uma margem de manobra orçamental diferente – por isso, o recurso aos auxílios estatais é muito diferente.
Começamos agora a observar que a equidade das condições de concorrência no nosso mercado único se está a deteriorar.
Por conseguinte, em resposta, precisamos de apoiar os que dela mais necessitam; temos de impulsionar o investimento e as reformas; e temos de reforçar as nossas economias, centrando-nos nas nossas prioridades comuns: o Pacto Ecológico Europeu, a digitalização e a resiliência.
Tratando-se de uma recuperação europeia, centrada nas prioridades europeias, é essencial que o Parlamento Europeu desempenhe plenamente o seu papel. Para mim, é evidente que o Parlamento deve assegurar a legitimidade democrática e manifestar a sua opinião sobre todo o pacote de recuperação tal como o faz relativamente ao orçamento da UE.
É por aqui que começamos hoje.
Senhoras e Senhores Deputados,
Este pacote de recuperação é constituído por duas partes: em primeiro lugar, teremos o orçamento europeu — o QFP que tão bem conhecem. Em segundo lugar — e para além do orçamento — haverá um instrumento de recuperação financiado através de uma margem de manobra mais ampla. Esta margem fixa o montante máximo do financiamento que a Comissão pode angariar contraindo empréstimos nos mercados de capitais com a garantia dos Estados-Membros.
E ainda mais importante: a totalidade dos fundos para a recuperação será canalizada através de programas da UE. Por esta razão — repito — a opinião do Parlamento Europeu sobre a forma como os fundos para a recuperação são gastos será tida em conta, tal como acontece relativamente ao QFP.
Resta saber: para onde vão os fundos para a recuperação? Serão distribuídos por três pilares:
No âmbito do primeiro pilar, a Comissão irá propor uma coesão adicional. O seu valor será superior ao envelope habitual da coesão no âmbito do QFP. Este montante adicional será atribuído com base na gravidade dos impactos económicos e sociais da crise.
Vamos também, pela primeira vez, criar uma nova Facilidade para Investimentos Estratégicos. Tal contribuirá para o investimento em cadeias de valor fundamentais, cruciais para a nossa resiliência e autonomia estratégica futuras, nomeadamente no setor farmacêutico. A Europa tem de ser capaz de produzir os seus próprios medicamentos essenciais. Para que tal seja possível, precisamos de empresas sólidas para investir. Por este motivo, iremos propor um novo Instrumento de Solvência, que contribuirá para satisfazer as necessidades de recapitalização das empresas sãs que foram postas em perigo em consequência do confinamento — onde quer que se encontrem na Europa.
Senhoras e Senhores Deputados,
Esta é, em resumo, a forma que assumirá o instrumento de recuperação.
O instrumento de recuperação será complementar das três redes de segurança essenciais que foram objeto de acordo dos dirigentes em abril:
Juntamente com o nosso próximo QFP, esta será a resposta ambiciosa de que a Europa necessita. Uma resposta que incluirá os novos recursos próprios de que precisamos para o nosso orçamento — tal como a Comissão propôs em 2018.
Uma resposta que reflete os nossos valores comuns com um mecanismo de proteção do Estado de direito. Uma resposta baseada na necessidade, mas desenhada para o futuro. Desta forma, reforçamos a solidariedade entre países e cidadãos, e também entre gerações.
Mais cedo ou mais tarde, os cientistas e os investigadores acabarão por descobrir uma vacina contra o coronavírus. Mas não há vacina contra as alterações climáticas. Portanto: a Europa tem de investir num futuro limpo.
O nosso investimento na reconstrução tem um preço, que é o aumento do peso da dívida.
Mas se tivermos de aumentar a nossa dívida, que os nossos filhos terão de pagar no futuro, o mínimo a fazer com esse dinheiro será investir no futuro deles. Devemos resolver a questão das alterações climáticas, diminuir o impacto climático e não criar mais problemas.
Quanto terminar a crise, não poderemos voltar aos padrões antigos: a reconstrução não deve ser feita com base nos padrões económicos do passado. Devemos ser corajosos e aproveitar esta oportunidade para criar uma economia moderna, limpa e saudável, que garanta os meios de subsistência da próxima geração.
A União Europeia por si só não pode sarar todas as feridas que esta crise abriu. Assumimos a nossa parte da responsabilidade, repartindo uniformemente a carga pelos Estados-Membros e garantindo simultaneamente que as jovens gerações também possam aproveitar este enorme esforço.
É esta a nossa missão e estou convencida de que uma Europa unida estará à altura do desafio.
Viva a Europa!